Exercícios de interpretação - Tecendo a manhã


Nos últimos artigos lá no blog de redação falamos que não existe fórmula mágica para aprender a escrever. A repercussão entre os assinantes da newsletter que receberam primeiro o artigo foi bastante positiva, mas parece que ficou ainda faltando algo para que o artigo ficasse completo: atividades de leitura e interpretação. Por isso mesmo é que trago hoje alguns exercícios baseados num texto que uso bastante nas minhas aulas iniciais no Ensino Médio: Tecendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto.

Guia do participante do Enem

Atividades de leitura e escrita

Leia atentamente o poema abaixo. Perceba como o poeta vai tecendo seu texto da mesma forma que os galos vão tecendo a manhã, e como as palavras vão se enlaçando, como os gritos dos galos.

Tecendo a manhã

1

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde.uma teia ténue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 35.

Lista de exercícios com gabarito

1. Nesse poema, João Cabral de Melo Neto cria a imagem da manhã que surge. Essa imagem é construída, num primeiro nível, a partir de duas palavras: galo e grito.

a) Explique a escolha dessas palavras.

b) Os gritos dos galos se associam a quê?

Na segunda estrofe, quando a manhã é plena, que palavras a traduzem, completando essa imagem?

3. O poema não se tece apenas com essas palavras... Portanto, não é apenas isso que o poeta deseja dizer. Vejamos alguns significados do verbo tecer.

1. Entrelaçar regularmente os fios.
2. Fazer (teia ou tecido) com fios; urdir, tramar, travar.
3. Compor, entrelaçando; trançar.
4. Preparar, engendrar, armar, urdir ("tecer intrigas").
5. Fazer aparecer; produzir, gerar, engendrar, formar.
6. Coordenar, compor.

a) Que sentidos são possíveis no texto?

b) Qual é o mais plausível? Por quê?

4. "Um galo sozinho não tece uma manhã: / ele precisará sempre de outros galos." Nesses primeiros versos, o poeta lança a ideia de trabalho construído coletivamente - um trabalho solidário. No texto, essa ideia se concretiza num certo tipo de construção de frase. Indique-a e justifique sua resposta.

5. Esse tecido, que é a manhã, transforma-se conforme vai se tecendo.

a) Que palavras mostram essa transformação?

b) Quais seus significados e que conotações elas adquirem no texto?

6. Analise atentamente a construção gramatical das duas estrofes e responda.

a) Sobre qual sujeito cada uma se constrói?

b) Classifique morfologicamente as duas ocorrências da palavra tecido nos dois últimos versos do poema.

7. Tendo em vista a leitura feita, analise os dois versos finais do poema.

8. Que leituras pode-se fazer da palavra galo no poema?

Gabarito dos exercícios

A palavra "texto" origina-se do latim textu, cujo significado é "tecido". Assim como os galos tecem a manhã, quando produzimos textos, estamos também compondo as tramas de um tecido.

1. a) O galo canta (grita), aos primeiros raios solares, anunciando o amanhecer.

b) Associam-se a "fios de sol" (que tecem a manhã).

2. "luz balão"

3. a) O sentido 2 e o 5.

b) O sentido 2, pela menção aos "fios de sol de seus gritos" que, urdidos, constituem o tecido da manhã, no sentido metafórico. Além disso, existe uma forte ideia de ação praticada pelos galos expressa pelos verbos apanhar, lançar e pela forma verbal tecendo, no título: o gerúndio expressa ação em processo. (Como se trata de um texto poético e, principalmente, metafórico, a ambiguidade sempre será um componente importante. Por isso, as duas leituras se entrecruzam e se completam.)

4. "De um que apanhe esse grito que ele / e o lance a outro; de um outro galo / que apanhe o grito que um galo antes / e o lance a outro"- em dois momentos o poeta trunca a ideia ("De um que apanhe esse grito que ele"; "que apanhe o grito que um galo antes") e essa íncompletude sugere que um galo deixa para o outro completar o que ele iniciou. Além disso, há uma estrutura que imita uma trama, pela repetição de palavras e segmentos (que sugere repetição de ações, como no trabalho de tecer).

5. a) Teia, tela, tenda, toldo: o tecido torna-se mais espesso e toma forma.

b) Teia: tecido ou pano feito em tear; tela de fios finíssimos que formam uma espécie de rede elástica e que é produzida pelas aranhas; tela: aquilo que foi tecido; o conjunto formado pelo entrelaçamento de fios; tecido, teia, trama; tenda: barraca de campanha; barraca de feira; pequena mercearia, quitanda; pequena oficina de ferreiro, marceneiro, sapateiro etc; a parte dos engenhos de açúcar na qual ficam os tachos; tipo de habitação desmontável, própria dos povos nômades; toldo: coberta ou peça de lona, de metal etc, destinada principalmente a abrigar, do sol e da chuva, porta, eirado, coberta de embarcação e outros; aquilo que encobre, protege ou resguarda. O tecido torna-se espesso, sugerindo força e união; todas as palavras estão ligadas de alguma forma ao trabalho -resultado de ação humana ou o que serve ao trabalho -e, quando se tornam tenda e toldo, passam a significar abrigo. Há conotações, portanto, de união e proteção, reforçadas pelo jogo com as palavras "toldos" e "todos", "entre todos" e "entrem todos" e, finalmente," se entretendendo para todos".

6. a) A primeira estrofe é construída sobre o sujeito galo (o produtor) e a segunda sobre o sujeito manhã (o produto).

b) No primeiro caso é um substantivo; no segundo, um particípio que indica uma ação acabada. Notar que essa ação acabada indicada pelo particípio introduz a ideia final: a manhã é feita de um tecido tão leve que, acabado, transfigura-se em "luz balão".

7. Resposta pessoal. (Cruzam-se no final duas leituras. A manhã plena tem em "luz balão" a melhor tradução, pois eleva-se por si, pronta, com vida própria, depois de tecida por muitos galos. Da mesma forma, o fruto do trabalho acabado pelo homem também tem vida própria e passa a existir independentemente das mãos que o produziram.)

8. Duas: a própria ave que canta anunciando o nascer do dia; o homem no seu processo de produção. Seria interessante salientar que a alternância singular/plural (galo/galos) ressalta o individual e o coletivo. Na mesma linha de raciocínio, destacar que a primeira estrofe se inicia com a palavra galo (singular/individual) e se encerra com a palavra galos (plural/coletivo); em outras palavras: um trabalho (a construção da manhã) só se realiza plenamente pela ação coletiva.

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