Lista de exercícios sobre Realismo e Naturalismo


Esta é uma lista a respeito de dois períodos literários bastante estudados no Ensino Médio e que sempre trago para meus sites por entender que devem ser estudados para compreender os períodos literários que seguiram. Neste caso, são exercícios que trabalhei em sala de aula e respondi com eles oralmente. Alguns eram mais complicados de fazer isso, indo e voltando as telas, mas com um pouco de boa vontade, é perfeitamente possível fazer. Como editei rapidamente a lista para publicar aqui, se algum erro de digitação ou mesmo de formatação aparecer, fale-me nos comentários para que eu possa arrumar. Obrigado.

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Lista de exercícios sobre Realismo e Naturalismo

Texto para o exercício 1

Como é saudável ter o seu conchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde agora quase sempre chego
Com as tonturas de uma apoplexia.
E rota, pequenina, azafamada
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho de horta aglomerada,
Pousara, ajoelhando, a sua giga.

1.  Considerando esse fragmento, responda:

a)  Quem é o autor desses versos?
b)  Cite pelo menos duas características que justifiquem sua resposta.

Texto para o exercício 2

O convertido

Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.

Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza...
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!

Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!

Amortalhei na Fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento...
Só me falta saber se Deus existe!

2.

a) O soneto lido, de Antero de Quental, é emblemático de qual fase de sua produção poética?

b) Cite duas características de Quental presentes no poema.

3.  Em Coimbra, um grupo de rapazes inquietos vivia em pleno tumulto mental. Identificados com a renovação que vinha da França, exasperavam-se diante da indiferença do resto do país. Neste movimento se destaca Antero de Quental que publica Bom senso e bom gosto. O movimento a que nos referimos se denominou:

a)  "Teocracia literária"
b)  "Literatura de hoje"
c)  "Renovação em Coimbra"
d)  "Grupos dos vencidos da vida"
e)  "Questão Coimbrã"

4.  Se quiséssemos citar três grandes sonetistas de Portugal, cada um pertencente a uma escola literária diferente, citaríamos:

a)  Camões, Bocage, Antero de Quental.
b)  Camões, Sá de Miranda, Cristóvão Falcão
c)  Frei Luís de Sousa, Pe. António Vieira, Pe. Manuel Ber-nardes.
d)  Eugênio de Castro, António Nobre, Eça de Queirós.
e)  Bocage, Cruz e Silva, António José da Silva.

5. Leia atentamente as seguintes estrofes:

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia,-
Despertam-me um desejo absurdo de- sofrer.
E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado;
Luta Camões no mar, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
E o fim da tarde inspira-me, e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinir de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

Estas estrofes pertencem a "O Sentimento dum Ocidental", poema de autoria de Cesário Verde. Cesário Verde (1855-1886) foi um poeta que apresentou, no início de sua produção literária, influências parnasianas, mas que depois, dividido entre o que podemos chamar de o interesse pela cidade e o amor pelo campo, fez no texto poético um esforço renovador na observação e descrição que é, sem dúvida, paralelo ao que Eça de Queirós fez no texto narrativo. Assim sendo, indique, nas alternativas abaixo, aquela onde a descrição dos objetos que animam o mundo circundante se aproxima mais dos processos da literatura realista, nomeadamente os praticados por Eça de Queirós:

a)  "Nas nossas ruas, ao anoitecer, Há tal soturnidade, há tal melancolia".
b)  "Que as sombras, o bulício, o Tejo; a maresia, Despertam-me um desejo absurdo de sofrer".
c)  "E evoco, então, as crónicas navais: Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado";
d)  "Luta Camões no mar, salvando um livro a nado! Singram soberbas naus que eu não verei jamais!"
e)  "E em terra num tinir de louças a talhares Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda".

Textos para os exercícios 6 e 7

Texto 1

Tormento do ideal

(fragmento)

Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço, em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.
Recebi o batismo dos poetas,
E, assentado entre as formas incompletas.
Para sempre fiquei pálido e triste.

Antera de Quental. Sonetos escolhidos.

Texto 2

Cantiga de esponsais

(fragmento)

O princípio do canto rematava em um certo lá; este lá, que lhe caía bem no lugar, era a nota derradeiramente escrita. Mestre Romão ordenou que lhe levassem o cravo para a sala do fundo, que dava para o quintal; era-lhe preciso ar. Pela janela viu na janela dos fundos de outra casa dois casadinhos de oito dias, debruçados com os braços por cima dos ombros, e duas mãos presas. Mestre Romão sorriu com tristeza.
— Aqueles chegam, disse ele, eu saio. Comporei ao menos este canto que eles poderão tocar...
Sentou-se ao cravo; reproduziu as notas e chegou ao lá...
—  Lá, lá, lá...
Nada, não passava adiante. E, contudo, ele sabia música como gente.
Lá, dó... lá, mi... lá, si, dó, ré... ré... ré...
Impossível! nenhuma inspiração. Não exigia uma peça profundamente original, mas enfim alguma coisa, que não fosse de outro e se ligasse ao pensamento começado. Voltava ao princípio, repe-
tia as notas, buscava reaver um retalho da sensação extinta, lembrava-se da mulher, dos primeiros tempos. Para completar a ilusão, deitava os olhos pela janela para o lado dos casadinhos. Estes continuavam ali, com as mãos presas e os braços passados nos ombros um do outro; a diferença é que se miravam agora, em vez de olhar para baixo. Mestre Romão, ofegante da moléstia e da impaciência, tornava ao cravo; mas a vista do casal não lhe suprira a inspiração, e as notas seguintes não soavam.
— Lá... lá... lá...
Desesperado, deixou o cravo, pegou o papel escrito e rasgou-o. Nesse momento, a moça embebida no olhar do marido, começou a cantarolar à toa, inconscientemente, uma coisa nunca antes cantada nem sabida, na qual cousa um certo lá trazia após si uma linda frase musical, justamente a que mestre Romão procurara durante anos sem achar nunca. O mestre ouviu-a com tristeza, abanou a cabeça, e à noite expirou.

Machado de Assis. Histórias sem data.

Texto 3

a palavra não vem
pensa pensa
e a palavra não vem
nunca nunca

Arnaldo Antunes. Tudos.

6. Os textos que lhe apresentamos abordam um tema fundamental frequente na obra de escritores e artistas em geral de todos os tempos. Releia-os com bastante atenção e, a seguir:

a)  Identifique o tema comum aos três textos,
b)  Em qual dos textos a personagem enunciada não é um escritor? Identifique essa personagem.

7. A comparação entre os textos de Machado e de Antero revela que as atitudes de Mestre Romão e do eu-poemático, embora identificadas pela tristeza, distinguem-se quanto à crença na possibilidade de atingir o objetivo almejado. Partindo deste comentário:

a)  Aponte essa diferença de atitude.
b)  Comprove o solicitado no item a, apresentando um exemplo de cada texto.

8. Seus primeiros poemas, anteriores à Questão Coimbrã, refletem uma postura ainda romântica. A partir de Odes Modernas, verificam-se uma poesia revolucionária e aspectos característicos dos agitados dias de Coimbra. Sonetos é seu livro mais completo e revelador, pois retrata desde os seus tempos de estudante até a última fase metafísica.

As afirmações anteriores dizem respeito a:

a)  Barbosa du Bocage.
b)  Teófilo Braga.
c)  Pinheiro Chagas.
d)  Antero de Quental.
e)  Camilo Castelo Branco.

Textos para os exercícios 9 e 10

Texto I

Naquele "pic-nic" de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aquarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima de uns penhascos,
Nós acampamos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em Malvasia.
Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto de merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Texto II

A Germano Meireles

Só males são reais, só dor existe
Prazeres só os gera a fantasia;
Em nada, um imaginar, o bem consiste,
Anda o mal em cada hora e instante e dia.
Se buscamos o que é, o que devia
Por natureza ser não nos assiste
Se fiamos num bem, que a mente cria,
Que outro remédio há aí senão ser triste?
Oh! quem tanto pudera, que passasse
Ávida em sonhos só, e nada vira...
Mas, no que se não vê, labor perdido!
Quem fora tão ditoso que olvidasse...
Mas nem seu mal com ele então dormira,
Que sempre o mal pior é ter nascido!

Texto III

Sua obra identifica uma trajetória de luta entre os compromissos de uma consciência social e de uma consciência especulativa das grandes verdades humanas.

Texto IV

Voltando-se para os aspectos a-poéticos ou a-líricos, fixou numa linguagem prosaica, a febril transformação de Lisboa e seu surto de novas classes (burguesia e operariado) em flagrante contraste de condições de vida.

Texto V

Coexistem em seu excepcional temperamento de criador o gosto do pormenor concreto e o poder visual do pintor realista com uma fantasia deformadora e, por vezes, alucinatória; um pendor para o frio cálculo de um estilo requintado; o amor do natural e do saudável com uma íntima inclinação pelo extravagante, pelo raro, pelo grotesco artístico.

Texto VI

A trágica beleza de seus sonetos nasce do abraço, cheio de conflitos, entre uma inteligência superior sempre alargada pela meditação e uma sensibilidade excepcional exacerbada pela neurose.

Texto VII

Além de poeta voltado para os profundos mistérios da Existência, foi o grande orientador das ideias socialistas em Portugal e o responsável maior pela efervescência literária de sua época, por meio da Questão Coimbrã e das Conferências do Cassino Lisbonense.

Texto VIII

Prodigioso em seu poder descritivo, ninguém melhor que ele pintou as frivolidades da vida, os perfis das coisas e as manchas das sombras.

Texto IX

Na mão de Deus

(À Exma. Sra. D. Vitória de O. M.)

Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci passo a passo a escada estreita.
Com as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.
Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva no colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,
Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!

Texto X

Contrariedades
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente
Dói-me a cabeça.
Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.
Sentei-me à secretária.
Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, dois pulmões doentes;
Sofre de falta d'ar; morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.
Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas! tão lívida!
O outro deixou-a.
Mortificada. Lidando sempre!
E deve a conta à botica!
Mal ganha para sopas...
O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.
Que mau humor!
Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta.
O que produz o estudo?
Mais duma redação, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.
A crítica segundo o método de Taine Ignoram-na.
Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos.
A imprensa
Vale um desdém solene.
Com raras exceções, merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e me pus pela calçada abaixo,
Um sol-e-dó.
Chovisca.
O populacho
Diverte-se na lama.
Eu nunca dediquei poemas às fortunas
Mas sim, por deferência, a amigos ou artistas.
Independente!
Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.
Receiam que o assinante ingénuo abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.
Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua cotèríe
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.
A adulação repugna os sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apura-me em lançar, originais e exatos,
Os meus alexandrinos...
E a tísica? fechada, e com ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe umedece as casas,
E fina-se ao desprezo!
Mantém-se a chá e pão!
Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, francamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!
Perfeitamente.
Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?
Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a reclame, a intriga, o anúncio, a blague
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras...
E estou melhor; passou-me a cólera.
E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto.
Inda atrapalha.
É feia... Que mundo!
Coitadinha!

  • Zaccone. autor de folhetins melodramáticos, muito famoso na época.
  • zcotèrie-. "tietagem", badalação.
  • tísica: tuberculosa.
  • estendal: varal.
  • reclame, propaganda.
  • eblague: ironia, tirada espirituosa.

9.  Identifique, nesses textos e comentários transcritos, os que se referem a Antero de Quental.

10.  Identifique, nesses textos e comentários transcritos, os que se referem a

- Cesário Verde.
- Aluísio Azevedo

Texto para o exercício 11

Na ocasião em que a baiana, seguida pelo pequeno passava defronte da porta de Piedade, esta deu um salto da cadeira e gritou-lhe;
— Faz favor?
— Que é? resmungou Rita, parando sem voltar se - não o rosto, e já a dizer no seu todo de impaciência que não estava disposta a muita conversa.
— Diga-me uma coisa, inquiriu aquela; você muda-se?
A mulata não contava com semelhante pergunta, assim à quei-ma-roupa; ficou calada sem achar o que responder.
—  Muda-se, não é verdade? Insistiu a outra, fazendo-se vermelha.
— E o que tem você com isso? Mude-me ou não, não lhe tenho de dar satisfações! Meta-se lá com a sua vida! Ora' esta!
— Com a minha vida é que te meteste tu, cigana! exclamou a portuguesa, sem se conter e avançando para a porta com ímpeto.
—  Hein?! Repete, cutruca ordinária! berrou a mulata, dando um passo a frente.
—  Pensas que já não sei tudo? Maleficiaste-me o homem e agora carregas-me com ele! Que a má coisa te saiba, cobra do inferno! Mas deixa estar que hás de amargar o que o diabo não quis! quem to juro sou eu!
— Pula cá p'ra fora, perua choca, se és capaz!
Em torno de Rita já o povaréu se reunia alvoroçado; as lavadeiras deixaram logo as tinas e vinham, com os braços nus, cheios de espuma de sabão, estacionar ali no pé, formando roda, silenciosas, sem nenhuma delas querer meter-se no barulho. Os homens riam e atiravam chufas às duas contendoras como sucedia sempre quando no cortiço qualquer mulher se disputava com outra.
— Isca! Isca! gritavam eles.
Ao desafio da mulata. Piedade saltara ao pátio, armada com um dos seus tamancos. Uma pedrada recebeu-a em caminho, rachando-lhe a pele do queixo, ao que ela respondeu desfechando contra a adversária uma formidável pancada na cabeça.
E pegaram-se logo a unhas e dentes.
Por algum tempo lutaram em pé, engalfinhadas, no meio da grande algazarra dos circunstantes. João Romão acudiu e quis separá-las; todos protestaram. A família do Miranda assomou à janela, tomando ainda o café de depois do jantar, indiferente, já habituada àquelas cenas. Dois partidos todavia se formavam em torno das lutadoras; quase todos os brasileiros eram pela Rita e quase todos os portugueses pela outra. Discutia-se com febre a superioridade de cada qual delas; rebentavam gritos de entusiasmo a cada mossa que qualquer das duas recebia, e estas, sem se desunharem, tinham já arranhões e mordeduras por todo o busto.
Quando menos se esperava, ouviu-se um baque pesado e viu-se Piedade de bruços no chão e a Rita por cima, escarranchada sobre as suas largas ancas, a socar-lhe o cachaço de murros contínuos, desgrenhada, rota, ofegante, os cabelos caídos sobre a cara, gritando Mtoríosa, com a boca escorrendo sangue: - Toma pr'o teu taba-cd Tbma, galinha pobre! Toma, pr'a não te meteres comigo! Toma, baiacu da praia!
Os portugueses precipitaram-se para tirar Piedade de baixo da miiata. Os brasileiros opuseram-se ferozmente.
— Não pode!
— Enche!
— Não deixa!
— Não tire!
— Entra! Entra!
E as palavras "galego", e "cabra" cruzaram-se de todos os pon-
:omo bofetadas. Houve um vavau rápido e surdo, e logo em se-guda um formidável rolo, um rolo a valer, não mais de duas mulheres, mas de uns quarenta e tantos homens de pulso, rebentou como um terremoto. As cercas e os jiraus desapareceram do chão e estilhaçaram-se no ar, estalando em descarga; ao passo que numa berraria infernal, num fecha-fecha de formigueiro em guerra, aquela onda viva ia arrastando o que topava no caminho; barracas e tinas, baldes, regadores e caixões de planta, tudo rolava entre aquela centena de pernas confundidas e doidas. Das janelas do Miranda apitava-se com fúria; da rua, em todo o quarteirão, novos apitos respondiam; dos fundos do cortiço e pela frente surgia povo e mais povo. O pátio estava quase cheio; ninguém mais se entendia; todos apanhavam; mulheres e crianças berravam. João Romão, clamando furioso, sentia-e impotente para conter semelhantes demónios. "Fazer rolo aquela hora, que imprudência!"
Não conseguiu fechar as portas da venda, nem o portão da estalagem; guardou às pressas na burra o que havia em dinheiro na gaveta e, armando-se com uma tranca de ferro, pôs-se de sentinela às prateleiras, disposto a abrir o casco ao primeiro que se animasse a saltar-lhe o balcão. Bertoleza, lá dentro da cozinha, aprontava uma grande chaleira de água quente, para defender com ela a propriedade do seu homem. E o rolo a ferver lá fora, cada vez mais inflamado, com um terrível sopro de rivalidade nacional. Ouvíam-se num clamor de pragas, e gemidos, vivas a Portugal e vivas ao Brasil. De vez em quando, o povaréu, que continuava a crescer, afastava-se em massa, rugindo de medo, mas tornava logo, como a onda no refluxo dos mares. A polícia apareceu e não se achou com ânimo de entrar, antes de vir um reforço de praças que um permanente fora buscar a galope!
E o rolo fervia.

Aluísio Azevedo. O cortiço.

11. Assinale os tópicos que se associam às características apresentadas pelo texto:

a) (   ) Visão objetiva da realidade social.
b) (   ) Visão de um mundo de perfeição e de sonho em que o autor se atém, apenas, ao que é belo e puro.
c) (   ) As personagens são concretas, reais.
d) (   ) As personagens são irreais uma vez que idealizadas para um mundo quimérico de sonho e de perfeição.
e) (   ) A razão e a objetividade têm predomínio sobre o sentimento.
f) (   ) A imaginação e os sentimentos têm predomínio sobre a razão e a lógica.
g) (   ) O estilo é cheio de figuras e metáforas.
h) (   ) O estilo é científico.
i) (   ) Retrata, em linguagem simples, mas com fidelidade, as personagens.
j) (   ) Preocupa-se com a observação e a análise da realidade.
k) (   ) Confunde realidade e fantasia, análise e invenção.
I) (   ) Preocupa-se com a correção gramatical e a perfeição estilística.
m) (   ) Fala uma linguagem próxima da realidade; sem rebuscamento.
n) (   ) Visa à realidade total, inspirando-se nos diferentes quadros que a vida e os homens a todo instante oferecem.
o) (   ) Apresenta tão somente os aspectos nobres e ideais do mundo e dos homens.

12. No romance O cortiço, de Aluísio Azevedo, duas construções têm expressiva função simbólica: o cortiço, de João Romão, e o sobrado, de Miranda. Responda:

a) O que simbolizam o cortiço e o sobrado na obra?

b) A oposição física entre essas duas edificações tem um significado social. Qual é?

Texto para o exercício 13

Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente; fazia-se contemplativo e amoroso. A vida americana é a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso, resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros.

Aluísio Azevedo. O cortiço.

14.
a) A que personagem o narrador se refere?

b) Quem foi o principal agente de tal transformação?

15. Sobre O cortiço, de Aluísio Azevedo, responda:

a) qual o verdadeiro protagonista do romance? Por quê?

b) quais os principais conflitos que marcam a narrativa?

Texto para o exercício 16

Jerônimo levantou-se, quase que maquinalmente, e, seguido por Piedade, aproximou-se da grande roda que se formara em torno dos dois mulatos. Aí, de queixo grudado às costas das mãos, contra uma cerca de jardim, permaneceu, sem tugir nem mugir, entregue de corpo e alma àquela cantiga sedutora e voluptuosa que o enleava e tolhia, como à robusta gameleira brava o cipó flexível, carinhoso e traiçoeiro.
E viu a Rita Baiana, que fora trocar o vestido por uma saia, surgir de ombros e braços nus, para dançar. A lua destoldara-se nesse momento, envolvendo-a na sua coma de prata, a cujo refulgir os meneios da mestiça melhor se acentuavam, cheios de uma graça irresistível, simples, primitiva, feita toda de pecado, toda de paraíso, com muito de serpente e muito de mulher.

17. Assinale a alternativa que identifica e caracteriza a obra de Aluísio Azevedo a que pertence o trecho lido.

a) É um trecho de O mulato, em que o autor faz uma crítica violenta aos preconceitos sociais e à decadência dos costumes da burguesia.

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