Você conhece os tipos de discurso na narração?


Neste artigo, nós vamos aprender sobre discursos narrativos, ou seja, a maneira como o narrador coloca à nossa disposição a fala das personagens. Você já deve ter observado que personagens "falam" de variadas maneiras dentro das histórias que nos são contadas.

Esta é uma matéria muito importante para os vestibulares, requisitada frequentemente, precisa ser compreendida da melhor maneira possível.

Em artigos anteriores, ficamos sabendo que há uma diferença enorme entre autor e narrador; dessa forma, podemos dizer que, nos discursos, o narrador opta, muitas vezes, por colocar a personagem "falando" diretamente conosco e há marcas - geralmente os dois pontos e travessões - específicas para que isso aconteça. Quando o discurso direto é usado, há também uma atualização na fala das personagens e as informações que elas emitem vêm sempre carregadas de verbos no tempo presente.

Aprenda Português OnlineUma outra maneira muito comum de indicar falas é através do discurso indireto. Nesse caso, as conjunções integrantes que e se aparecem e o narrador "fala" indiretamente pelas criaturas habitantes da ficção.

Dos tipos de discurso, o mais difícil de ser compreendido e identificado, no entanto, é o indireto livre. Aparecerá sempre em terceira pessoa, com narrador onisciente. Nele, aglutinam-se as falas da personagem e do narrador. Misturam-se, revelando a aproximação profunda que se formaliza entre os integrantes do discurso narrativo e vêm à tona a captação dos sentimentos mais profundos, das angústias e medos, das alegrias, pesares, raciocínios.

Os discursos narrativos são elementos essenciais para tornar mais vivos os integrantes das histórias de ficção.

Tipos de discursos

Discurso aqui deve ser entendido como a maneira que o narrador "deixa" a fala de suas personagens serem reproduzidas ou reproduz o que falam. São três os tipos de discurso: direto, indireto, indireto livre.

Discurso Direto

O mais comum de todos; nele o narrador "deixa" a personagem falar diretamente com o leitor, reproduzindo integralmente o que ela diz. Geralmente, usa-se o travessão para iniciar tal discurso. Leia:

O menino suportou tudo com coragem de mártir, apenas abriu ligeiramente a boca quando foi levantado pelas orelhas: mal caiu, ergueu-se, embarafustou pela porta fora, e em três pulos estava dentro da loja do padrinho, e atracando-se-lhe às pernas. O padrinho erguia nesse momento por cima da cabeça do freguês a bacia de barbear que lhe tirara dos queixos: com o choque que sofreu a bacia inclinou-se, e o freguês recebeu um batismo de água de sabão.
- Ora, mestre, esta não está má!...
-  Senhor, balbuciou este... a culpa deste endiabrado... O que é que tens, menino?
O pequeno nada disse; dirigiu apenas os olhos espantados para defronte, apontando com a mão trémula nessa direção.
O compadre olhou também, aplicou a atenção, e ouviu então os soluços da Maria.
-  Ham! resmungou; já sei o que há de ser... eu bem dizia... ora ai está!...
E desculpando-se com o freguês saiu da loja e foi acudir ao que se passava.
Por estas palavras vê-se que ele suspeitara alguma coisa; e saiba o leitor que suspeitara a verdade.

(Memórias de um sargento de milícias, Manuel António de Almeida, cap. II- Primeiros Infortúnios)

O discurso direto é considerado mais "natural"; o narrador, para introduzi-lo na narrativa precisa utilizar-se dos chamados verbos dicendi ou declarativos, que introduzem as falas das personagens. Os verbos mais frequentes são: falar, dizer, observar, retrucar, responder, replicar, exclamar, aconselhar, gritar.

Antes das falas das personagens aparece, com frequência, o uso de dois pontos e travessão. Há autores, no entanto, que preferem, em vez do travessão, colocar entre aspas as falas das personagens.

"Quando lhe entreguei a folha de hera com formato de coração (um coração de nervuras trementes se abrindo em leque até as bordas verde-azuladas), ela beijou a folha e levou-a ao peito. Espetou-a na malha do suéter: "Esta vai ser guardada aqui. " Mas não me olhou nem mesmo quando eu saí tropeçando no cesto."

(Lígia Fagundes Teles, "Herbarium", in Os melhores contos)

A Existe em José Saramago, por exemplo, uma "desobediência" ao preceito do discurso direto. Ele não usa dois pontos ou travessão e "emenda" as falas através de vírgulas, usando apenas iniciais maiúsculas depois delas para indicar a mudança da fala da personagem.

"Não sei o que me aconteceu, o pau estava no chão, agarrei-o e fiz o risco, Nem lhe passou pela ideia que poderia ser uma varinha de condão, Para varinha de condão pareceu-me grande, e as varinhas de condão sempre eu ouvi dizer que são feitas de ouro e cristal, com um banho de luz e uma estrela na ponta, Sabia que a vara era de negrilho, Eu de árvores conheço pouco, disseram-me depois que negrilho é o mesmo que ulmeiro, sendo ulmeiro o mesmo que olmo, nenhum deles com poderes sobrenaturais, mesmo variando os nomes, mas, para o caso, estou que um pau de fósforo teria causado o mesmo efeito, Por José Saramago. que diz isso, O que tem que ser, tem de ser, e tem muita força, não se pode resistir-lhe, mil vezes o ouvi à gente mais velha, Acredita na fatalidade, Acredito no que tem de ser."

(José Saramago, Jangada de Pedra, Record, 1999)

Discurso indireto

Como o próprio nome esclarece, o narrador "fala" indiretamente por sua personagem. Para tanto, terá que usar, necessariamente, as conjunções integrantes que e se ao introduzir tal discurso.
Veja o exemplo:

"E a madrinha, Dona Isolina Vaz Costa (cuja especialidade era doce de ovos) foi de parecer que quanto à dicção ainda não era visto, mas quanto à expressão Cícero lembrava o Chabi Pinheiro. No entanto advertiu que do meio para o fim é que era mais difícil. "

(Antônio de A. Machado, "O Inteligente Cícero", in Laranja da China, Ed. Estadão)

Fôssemos passar o trecho acima para discurso direto, teríamos:

E a madrinha, Dona Isolina Vaz Costa (cuja especialidade era doce de ovos) foi de parecer que quanto à dicção ainda não era visto, mas quanto à expressão Cícero lembrava o Chabi Pinheiro. No entanto advertiu:
- Do meio para o fim é que é mais difícil.

Outros exemplos:

"Miguilim chorou de bruços, cumpriu tristeza, soluçou muitas vezes. Alguém disse que aconteciam casos, de cachorros dados, que levados para longes léguas, e que voltavam sempre em casa. Então, ele tomou esperança: a Pingo-de-Ouro ia voltar."

(João Guimarães Rosa, Campo Geral, in Manuelzão e Miguilim, José Olímpio Editora)

"No noivado da sua caçula Maria Aparecida, só por brincadeira, pediu que uma cigana muito famosa no bairro deitasse as cartas e lesse seu futuro. A mulher embaralhou as cartas encardidas, espalhou tudo na mesa e avisou que se ela fosse no próximo domingo à estação rodoviária, veria chegar um homem que iria mudar por completo sua vida (...)."

(Lígia Fagundes Teles, Pomba Enamorada, Os Melhores Contos, José Olímpio Editora)

Discurso indireto livre

O mais difícil de todos: é resultado da mistura entre os dois outros discursos. Há dois pressupostos básicos para que aconteça nas narrativas:

a) narrador em terceira pessoa;
b) narrador onisciente.

Muito usado nas narrativas contemporâneas, este tipo de discurso quase não se registra, por exemplo, no Romantismo. O Realismo de linha de análise psicológica experimentou-o, mas coube à narrativa moderna desenvolvê-lo e usá-lo como recurso dos mais expressivos. Podemos defini-lo como sendo a captação do pensamento das personagens que vêm à tona num texto de terceira pessoa, sem nenhuma marca indicadora de Discurso Direto (travessão, aspas) ou Indireto (as conjunções integrantes):

"Entregue aos arranjos da casa, regando os craveiros e as panelas de losna, descendo ao bebedouro com o pote vazio e regressando com o pote cheio, deixava os filhos soltos no barreiro, enlameados como porcos. E eles estavam perguntadores, insuportáveis. Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber? Tinha ? Não tinha."

(Vidas Secas - Graciliano Ramos)

"Mas a água, só a que lhe inundou de repente as partes, e lhe escorria pelas coxas abaixo, quente, viscosa, pesada...
Estremeceu. Poderia ainda continuar? Poderia ainda arrastar-se, cheia de febre, extenuada, em ferida, pela serra a cabo? E as dores, cada vez mais apertadas, que a varavam de lado a lado, a princípio rastejantes, quase voluptosas, e depois piores que facadas? Não, não podia continuar. Agora só atirar-se ao chão e, como no dia de São Martinho, rolar sobre a terra em brasa, negra, saibrosa, eiçada de tocos carbonizados, sem palha centeia e quebrar a dureza das arestas, e sem o desavergonhado do Armindo a cantar-lhe loas ao ouvido...
Aguilhoado de todos os lados, o corpo começou a torcer-se, aflito."

(Miguel Torga, "Madalena", Os Bichos, Coimbra)

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