Reflexões sobre a linguagem–Otávio Paz


"A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são a nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade. Não há pensamento sem linguagem, nem tampouco objeto de conhecimento: a primeira coisa que o homem faz diante de uma realidade desconhecida é nomeá-la, batizá-la. Aquilo que ignoramos é o inominado. Toda aprendizagem principia com o ensinamento dos verdadeiros nomes das coisas e termina com a revelação da palavra-chave que nos abrirá as portas do saber. Ou com a confissão da ignorância: o silêncio. E, ainda assim, o silêncio diz alguma coisa, pois está prenhe de signos. Não podemos escapar da linguagem. Na verdade, os especialistas podem isolar o idioma e convertê-lo em objeto. Mas trata-se de um ser artificial arrancado de seu mundo original, já que, diversamente do que ocorre com os outros objetos da ciência, as palavras não vivem fora de nós. Nós somos o seu mundo e elas o nosso. Para capturar a linguagem não precisamos mais que usá-la. As redes de pescar palavras são feitas de palavras. Não pretendo com isso negar o valor dos estudos linguísticos. Mas as descobertas da linguística não devem nos fazer esquecer suas limitações: a linguagem, em sua realidade final, nos escapa. Essa realidade consiste em ser algo indivisível e inseparável do homem. A linguagem é uma condição da existência do homem e não um objeto, um organismo ou um sistema convencional de signos que podemos aceitar ou rejeitar. O estudo da linguagem, nesse sentido, é uma das partes de uma ciência total do homem."

(Otávio Paz, in O Arco e a Lira, Editora Nova Fronteira, 1982)

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