Análise de tema de redação do Enem


Vamos ver aqui a análise de uma proposta de redação que foi usada no Enem. A partir dela podemos entender melhor a maneira como podemos construir um texto nota 1000 por meio de uma análise profunda do tema e dos textos motivacionais.

Texto I

Tirinha sobre mídia

Texto II

Os programas sensacionalistas do rádio e os programas policiais de final da tarde em televisão saciam curiosidades perversas e até mórbidas tirando sua matéria-prima do drama de cidadãos humildes que aparecem nas delegacias como suspeitos de pequenos crimes. Ali, são entrevistados por intimidação. As câmeras invadem barracos e cortiços, e gravam sem pedir licença a estupefação de famílias de baixíssima renda que não sabem direito o que se passa: um parente é suspeito de estupro, ou o vizinho acaba de ser preso por tráfico, ou o primo morreu no massacre de fim de semana no bar da esquina. A polícia chega atirando; a mídia chega filmando.

BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Texto III

Quem fiscaliza [a imprensa]? Trata-se de tema complexo porque remete para a questão da responsabilidade não só das empresas de comunicação como também dos jornalistas. Alguns países, como a Suécia e a Grã-Bretanha, vêm há anos tentando resolver o problema da responsabilidade do jornalismo por meio de mecanismos que incentivam a auto-regulação da mídia.

http://www.eticanatv.org.br Acesso em 30/05/2004.

Texto IV

No Brasil, entre outras organizações, existe o Observatório da Imprensa - entidade civil, não-governamental e não-partidária -, que pretende acompanhar o desempenho da mídia brasileira. Em sua página eletrônica, lê-se:
Os meios de comunicação de massa são majoritariamente produzidos por empresas privadas cujas decisões atendem legitimamente aos desígnios de seus acionistas ou representantes. Mas o produto jornalístico é, inquestionavelmente, um serviço público, com garantias e privilégios específicos previstos na Constituição Federal, o que pressupõe contrapartidas em deveres e responsabilidades sociais.

http://www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br (adaptado) Acesso em 30/05/04.

Texto V

Incisos do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988:
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X  - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Com base nas ideias presentes nos textos acima, redija uma dissertação em prosa sobre o seguinte tema: Como garantir a liberdade de informação e evitar abusos nos meios de comunicação?

1. Análise

Sobre a proposta trata-se da questão da imprensa e do impacto de seus conteúdos na sociedade.
Para guiar o aluno em suas reflexões sobre o papel da imprensa, o tema de redação do Enem 2004 apresentou uma charge de Caco Galhardo na qual um aparelho de TV é representado por uma lata de lixo. A imagem trazia para o centro da proposta a problemática dos conteúdos midiáticos no Brasil, especialmente o que o senso comum chama de "baixaria" - a lixocultura como centro das atenções.

No segundo texto, o autor evidencia a questão da espetacularização da realidade - a mídia invade a intimidade alheia, o grotesco do examinado. Tudo em busca de uma maior adesão e aplauso do público.

No terceiro texto, o enfoque gira em torno da regulação da imprensa. Como poderíamos estabelecer os limites na abordagem das notícias e no nível das reportagens.

No penúltimo, cita-se a existência de um blog que faz uma espécie de vistoria sobre as coberturas jornalísticas. Evidencia-se uma crítica em função das coberturas interesseiras e parciais dos principais órgãos midiáticos.

Por fim, apresentam-se fragmentos da Constituição para fundamentar o aspecto da liberdade na cobertura das informações, assim como a garantia ao respeito das imagens das pessoas.

2. Elaboração da tese

Com frequência, observam-se redações muito bem escritas, bem apresentadas e de acordo com o tema proposto que, no entanto, parecem desinteressantes, como se não tivessem algo a dizer. Esse problema é típico de redatores que querem enquadrar seus textos em "fórmulas" e que não refletem sobre o problema a ser discutido. Em geral, leitores desatentos considerariam razoáveis essas redações "certinhas", mas os examinadores das bancas procuram mais do que organização: eles preferem textos que transmitam uma mensagem, por mais simples que seja.

Um bom indício de uma redação vazia está em sua introdução. Com dois ou três períodos, distribuídos em cinco ou seis linhas, em que se apresenta o tema e se enumeram os argumentos, esse parágrafo poderia ser utilizado por virtualmente todos os candidatos. Qual é, nesses casos, o problema central? A resposta não é difícil: trata-se da ausência de uma tese que sustente o projeto do texto.

Em uma concepção simples, tese seria a ideia ou eixo fundamental que existe sob toda a argumentação desenvolvida ao longo do texto. Normalmente, constitui uma resposta sintética para a pergunta que foi feita - se esse for o caso - ou uma maneira pessoal de recombinar as palavras do tema. Funciona, portanto, como a essência que sobraria se tivéssemos que reduzir o texto a um único período.

Dito de outro modo, a tese caracteriza-se por ser uma expressão de um ponto de vista pensado pelo autor acerca da questão proposta. Isso significa, em primeiro lugar, que a elaboração dessa ideia central não costuma ser imediata ou automática, demandando certo tempo para meditação. Entretanto, uma vez elaborada, a tese permite um fácil desenrolar das ideias, contribuindo até mesmo com outros aspectos importantes, de que trataremos ainda hoje

É preciso estarmos cientes, porém, de que não existe uma técnica ou método geral a ser aplicado por todos a fim de se elaborarem suas teses. Isso seria até contraditório em relação ao que dissemos. Por isso, procuraremos demonstrar essa teoria com alguns bons exemplos, que não são — nem poderiam ser — modelos.

2.1. Reconhecimento do problema

Leia o parágrafo a seguir, que serviu de introdução a um texto sobre a situação dos negros no Brasil hoje:

Há mais de cem anos, uma lei foi assinada para libertar os negros escravos no Brasil. Desde então, a realidade da distribuição racial parece manter-se a mesma no país: poucas oportunidades de ascensão social e muitas formas de preconceito. Para compreender — e superar — esse panorama, faz-se necessário analisar os fatores sociais, econômicos e políticos que sustentam a vergonhosa distribuição racial brasileira.

Com certeza, essa introdução é bem redigida, clara e objetiva. Falta-lhe, entretanto, uma ideia central. Compare-a com os parágrafos que se seguem:

Há mais de cem anos, uma lei foi assinada para libertar os negros escravos no Brasil. Desde então, a realidade da distribuição racial parece manter-se a mesma no país: poucas oportunidades de ascensão social e muitas formas de preconceito. Esse panorama constitui mais uma faceta de um grave vício brasileiro — elaborar soluções verbais para problemas concretos. Entretanto, enquanto se proferem belos discursos, as vítimas continuam a sofrer.

Há mais de cem anos, uma lei foi assinada para libertar os negros escravos no Brasil. Desde então, a realidade da distribuição racial parece manter-se a mesma no país: poucas oportunidades de ascensão social e muitas formas de preconceito. Ao mesmo tempo, exaltamos a miscigenação étnica como uma marca brasileira diante da intolerância global. Entretanto, este é o problema — sob omito da mistura racial, ocultamos um racismo ainda mais perverso, que não tem sequer uma face visível.

O parágrafo a seguir é a introdução de uma redação para o tema "Democracia e desigualdade social no Brasil." Observe que a capacidade de síntese de seu autor produziu um bom exemplo de texto:

Sabe-se que o Brasil é, historicamente, marcado por absurdas desigualdades sociais e por nenhuma medida política eficaz para, pelo menos, amenizá-las. Nesse contexto de displicência governamental, o abismo entre as classes apenas aumentou, chegando, nos dias atuais, a uma assustadora realidade de divisão e segregação. O paradoxal, no entanto, é que mesmo em um país de gritantes diferenças, há quem acredite viver em uma plena democracia.

Em geral, quando a frase-tema possui forma interrogativa, construímos nossas teses respondendo à pergunta proposta. Quando ela possui estrutura afirmativa, a tese surge quando problematizamos a questão, combinando as palavras da frase-tema de uma maneira pessoal. Uma vez elaborada, a tese se torna o eixo central de toda a argumentação do candidato: em todos os parágrafos, necessariamente, deve-se buscar fazer uma referência implícita ou explícita a ela. Se a tese é pessoal, não é possível encontrar um método universal para estabelecê-la. Só a prática será capaz de fazer com que o aluno a construa de maneiras cada vez mais interessantes para tornar seu texto mais atraente.

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